AB6 - Reencontrar o passado

Um dia, uma citação

AB6 - Encontros e reencontros

domingo, 20 de julho de 2008

40 anos - O Fafe no AB6





20 de Julho de 1968.

São 17:18 horas.

O Fafe chega ao AB6, levado pelo Land Rover da base, desde a estação de caminho de ferro de Cuamba (Nova Freixo).

Foram perto de longuíssimas 9 horas na famosa caixa de fósforos, que, suave e silenciosamente, deslizou pelos carris sobre as suas rodas de pneu e câmara de ar, desde a capital do norte de Moçambique, Nampula, mais ou menos 340 kms a sudeste (mais este que sudeste) de Nova Freixo.

- Porque será que, por cá, nunca ninguém acreditou nessa história dos pneus sobre carris?

Este foi o final de uma viagem iniciada em Lisboa, em 05 de Julho de 1968:

- 05/07/1968 - 10:00 H - Partida do Aeroporto da Portela, no DC6.

- 05/07/1968 - 17:50 H - Aterragem na BA12, Bissalanca, Bissau.

- 05/07/1968 - 20:05 H - Partida de Bissau.

- 06/07/1968 - 06:15 H - Chegada a Luanda, aeroporto Craveiro Lopes.

- 06/07/1968 - 10:10 H - Partida de Luanda.

- 06/07/1968 - 16:25 H - Chegada ao aeroporto Gago Coutinho, em Lourenço Marques.

Apresentaç
ão no AB8, encontro, abraços e matar saudades com o fafense Fernando Ricoca , de Antime, e dispensa por 48 horas, para todos os que desejassem.

Lá foi o Fafe, de machibombo, até à avenida Dr. Manuel Arriaga, Edifício Negrão, de encontro à sua Tia Tina, que muito o paparicou; whiskysinho, muito, e leitinho ao deitar.

Resultado da mistura?

Uma enterite intestinal, que, passadas 24 horas, levou o Fafe a dormir uma noite no Hospital Miguel Bombarda, transportado por ambulância da FAP.

Uma estreia em grande lá pelas bandas do Índico.


Em 08/07/1968, o Fafe reapresentou-se no AB8, tendo-lhe sido concedidos mais 5 dias de licença, enquanto ficava a aguardar colocação.


O Fafe lá continuou matando saudades, de muitos anos, da sua tia e do seu primo Amaro, usufruindo do seu flat para essas mini férias.

Aproveitou para conhecer as avenidas de LM, o Continental, o Scala, o Estádio Oliveira Salazar, a praia Polana, a Avenida de Angola e a Rua Araújo.


Voltando ao AB8, em 12/07/1968, o Fafe constata que o seu destino não está ainda traçado. Uma nova licença por mais 5 dias é a solução encontrada e a boa vida vai continuando.


Em 18/07/1968, finalmente, o Fafe meio atarantado e estupefacto, recebe a notícia da sua colocação: AB6 Nova Freixo:

- Mas que raio de terra é essa? Onde fica? Mas onde vai parar o filho do pai do Fafe?

- Fica lá para cima, muito lá para cima, prá'aí mais que 2.000 kms, lá pró Niassa, bem junto do Malauí, pertinho dos "turras" ...
deixou escapar um experimentado PA do AB8.

- Estou f*dido, pensa o Fafe.

Dos muitos colegas de recruta que viajaram com o Fafe desde Lisboa, o Pedroso e o Octávio (Jaime Fernandes) ficaram em LM, o Cordeiro foi para o AB7 Tete e o Noronha acompanhou o Fafe até Nova Freixo. Muitos outros o acompanharam desde Lisboa, mas deles não se recorda nessa viajem e alguns outros foram sendo pré-colocados pelo caminho (Bissau e Luanda).

Em 19/07/1968, o Fafe e o Noronha, acompanhados de outros militares da FAP, lá partiram, por volta da 08:30 horas, num Dakota (DC3) rumo ao norte de Moçambique.

A hora do almoço foi passada na BA10, na Beira.

Mas só a hora, porque o almoço nem vê-lo.

Finalmente, a meio da tarde, lá chegaram a Nampula e ao AB5.

Como sempre, o Fafe lá obteve a licençazita da ordem, para pernoitar fora e lá foi à procura do Neca, primo da mãe, que há muitos anos se radicara em Nampula, como desenhador da Junta Autónoma das Estradas de Moçambique (JAEM) e que, em Fafe, se celebrizaria como poeta e como o 34.

E lá dormiu na casa da família Neca, no Bairro da JAEM.

No dia 20/07/1968, foi a tal viagem na caixa de fósforos com rodas com pneus e câmaras de ar, passando por Malema e Mutuali.

Chegado ao AB6, o Fafe, ainda não consciencializado da nova aventura por aquelas bandas e ainda muito inocente, foi praxado como ditavam as regras do doutor Scott (o Inglês), coadjuvado pelos verdadeiros enfermeiros Ferreira(?) e Boa (este, Moçambicano, da mesma recruta do Fafe, 1a. 67).

Será escusado dizer que o Fafe cumpriu integralmente a praxe e as ordens do doutor:

1 - Numa prancha inclinada 45º, deitado de cabeça para baixo, chegar 20 vezes com as mãos ao pés, presos lá no alto.

2 - Injecção para prevenir o paludismo e a malária e que, afinal, mais não era do que água destilada.

3 - Pintar os tarecos - e o resto - com tintura de iodo ... ui ... ui ... f*da-se ... p*ta que pariu ... , para prevenir infecções e doenças e atar os mesmos com gase à perna esquerda, até à consulta do dia seguinte ....

Ah ganda Inglês !!!

O Fafe viajou desde Lisboa, sempre alegre e bem disposto, sem verter uma só lágrima, de cabeça limpa e sem as lamechices do costume.

Quando em 11/07/1970, a bordo do comboio nocturno, em direcção a Nampula, com destino à sua terra e à sua família, naquela longa e interminável curva, poucos quilómetros após Nova Freixo, que lhe permitia ver as poucas luzes de Cuamba e do AB6, como se do Fafe se estivessem a despedir, ele não conseguiu evitar que as lágrimas resvalassem pelo seu rosto, com sentida saudade dos colegas e amigos, do AB6 e de Nova Freixo e das suas gentes.

Dessa saudade nunca mais o Fafe se
livrou.